Carta 142 - Referências Religiosas em O Senhor dos Anéis

Não são novidade as diversas referências religiosas contidas em O Senhor dos Anéis, algumas claras, outras mais por especulação, porém, é inegável percebermos a contribuição que o catolicismo de Tolkien teve em toda a obra.
Revirando as cartas encontrei uma onde ele fala abertamente sobre isso e achei válido trazê-la para cá, pra cessar qualquer questionamento ainda sobre o assunto.
Assim, abro aqui uma "promessa" de trazer toda semana ao menos uma dessas cartas, já que são de extrema importância para o entendimento de todo o contexto dos livros. Espero que curtam, e já sabem, podem mandar sugestões, essa idéia das cartas foi uma sugestão que adorei. <3
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142 - Para Robert Murray, SJ

2 de dezembro de 1953

76 Sandfield Road, Headington, Oxford

Meu caro Rob,
Foi maravilhoso receber uma longa carta sua esta manhã.....
Desculpe-me se palavras casuais minhas fizeram com que você se desse ao trabalho de criticar minha obra. Mas, para dizer a verdade, embora o elogio (ou o que não é exatamente a mesma coisa, e melhor, as expressões de prazer) seja agradável, fui animado especialmente pelo que você disse, desta vez e na anterior, porque você é mais perceptivo, especialmente em algumas direções, do que qualquer outra pessoa, e até mesmo revelou-me mais claramente algumas coisas sobre minha obra.
Acredito que sei exatamente o que você quer dizer com ordem da Graça; e, é claro, com suas referências à Nossa Senhora, sobre a qual toda a minha própria pequena percepção da beleza, tanto em majestade como em simplicidade, é fundamentada. O Senhor dos Anéis obviamente é uma obra fundamentalmente religiosa e católica; inconscientemente no início, mas conscientemente na revisão. E por isso que não introduzi, ou suprimi, praticamente todas as referências a qualquer coisa como “religião”, a cultos ou práticas, no mundo imaginário. Pois o elemento religioso é absorvido na história e no simbolismo. Contudo, está expresso de
modo muito desajeitado e soa mais presunçoso do que percebo. Pois, na
realidade, planejei muito pouco conscientemente; e devo mormente ser grato por ter sido criado (desde que eu tinha oito anos) em uma Fé que me nutriu e
ensinou todo o pouco que sei; e isso devo à minha mãe, que se apegou à sua
religião e morreu jovem, em grande parte devido às dificuldades da pobreza
resultante de tal ato.
Certamente não fui alimentado pela Literatura Inglesa, na qual não
creio que eu seja mais instruído do que você, pela simples razão de que lá
nunca encontrei muito em que repousar meu coração (ou coração e cabeça juntos). Fui educado nos Clássicos, e descobri pela primeira vez a sensação do prazer literário em Homero. Além disso, sendo um filólogo, obtendo uma grande parte de qualquer prazer estético de que sou capaz da forma das palavras (e especialmente da associação pura da forma da palavra com o sentido da palavra), sempre apreciei da melhor maneira coisas em uma língua estrangeira ou em uma tão remota que dê essa sensação (tal como o anglo-saxão). Mas é o bastante sobre mim.
Receio que simplesmente é muito provável que seja verdade o que você diz sobre os críticos e o público. Estou temendo a publicação, pois será impossível não me importar com o que for dito. Expus meu coração para levar um tiro. Acredito que os editores também estejam muito ansiosos; e
gostam imensamente da idéia de que o maior número de pessoas possível deva ler as provas impressas e formar um tipo de opinião antes que os críticos de aluguel ocupem-se com o livro.....
Lamento saber que você agora está sem um violoncelo, depois de ter adquirido uma certa prática (me contaram) com esse adorável e difícil instrumento. Qualquer um que saiba tocar um instrumento de corda para mim parece ser um mago digno de profundo respeito. Amo a música, mas não
possuo aptidão para ela; e os esforços gastos na tentativa de ensinar-me o violino na juventude deixaram-me apenas com uma sensação de reverência na presença de violinistas. Os idiomas eslavos para mim estão quase na mesma categoria. Arrisquei-me com muitas línguas no meu tempo, mas não sou um “lingüista” em qualquer sentido comum; e o tempo que certa vez passei
tentando aprender sérvio e russo não me deixou com quaisquer resultados práticos, apenas uma forte impressão da estrutura e estética das palavras.....
Por favor, perdoe a aparente indelicadeza do texto datilografado!
Minha datilografia não melhora. Exceto na velocidade. Sou agora muito mais rápido do que com minha mão laboriosa, que tem de ser poupada, já que fica rapidamente cansada e dolorida. Não tenho dúvida de que em breve você também terá notícias de Edith.

Com muito amor por você
Ronald Tolkien.

*Foto retirada da biografia Senhor da Fantasia de Michael White.

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